"Eduquemos as crianças, e não será necessário castigar os homens" - Pitágoras

domingo, 30 de março de 2014

"Prova é fotografia"



Didáticas inovadoras para as novas gerações 
Escrito por Dulce Mesquita

Retirado deste link


Mudanças, geralmente, representam desafios. Na educação não é diferente. A adoção de novas tecnologias e metodologias de ensino passa por um período de desconfiança antes de ser amplamente aceita e efetivada no dia a dia. No Brasil, mesmo a passos lentos, somam-se as experiências que estimulam os estudantes a serem proativos na busca pelo conhecimento e pelo desenvolvimento de competências. Escolas que quebram as barreiras do processo ensino-aprendizagem tradicional ousam na organização do ambiente, na utilização de novas didáticas e recursos e na mobilização de alunos, professores, familiares e comunidade.  
Uma das fontes inspiradoras para essas escolas consideradas inovadoras é a Escola Básica da Ponte, em Portugal. Desde a década de 1970, a instituição aplica a educação democrática, que substitui as salas de aula por espaços de trabalho em grupo, propõe a atuação dos professores como tutores e está mais centrada em dar condições para o autodesenvolvimento do alunado, entre tantos outros instrumentos pedagógicos que constituem o projeto educativo. Essa nova realidade está baseada nos princípios de que a escolarização e o trajeto de crescimento de cada pessoa são únicos e irrepetíveis e na necessidade de valorizar a construção da identidade pessoal, estimulando a iniciativa, a criatividade e a responsabilidade.
De fato, essas práticas visam adequar a escola às mudanças que o mundo enfrenta, especialmente em relação ao acesso às informações, à velocidade das transmissões e às redes colaborativas que tanto marcam o ambiente virtual e com as quais os estudantes estão habituados a conviver. Isso significa que a atual escola precisa ser repensada e totalmente reformulada para se aproximar da nova realidade e ser mais atrativa. “A escola tem que mexer na organização de tudo o que envolve as formas de ensinar e do aluno aprender: as metodologias de ensino, a ampliação de múltiplos espaços e tempos, com a presença das tecnologias digitais no cotidiano e na sala de aula”, frisa o educador José Manuel Moran.
O foco é uma formação que promova a autonomia do estudante. “Se queremos que os alunos sejam proativos, precisamos adotar metodologias em que os alunos se envolvam em atividades cada vez mais complexas, em que tenham que tomar decisões e avaliar os resultados. Se queremos que sejam criativos, eles precisam experimentar inúmeras novas possibilidades expressivas”, salienta o professor. Ou seja, as metodologias precisam acompanhar os objetivos pretendidos. Como eles estão sendo ampliados, a escola deve mudar.
Essa inovação requer gestores atentos às mudanças e dispostos a colocar os melhores projetos em prática. “Um gestor é um líder, fundamental para a aceleração das mudanças necessárias numa escola envelhecida, obsoleta e pouco relevante para a formação profissional e para a formação para a vida”, destaca Moran. Esse perfil não é apenas para quem atua diretamente nas instituições de ensino, mas também para os responsáveis pela gerência da educação pública. “Muitos se justificam na burocracia, na falta de verbas, no corporativismo dos profissionais da educação para deixar tudo como está. Mas um bom gestor promove, favorece, estimula mudanças nos modelos pedagógicos, na atualização metodológica, na viabilização de recursos tecnológicos e na mobilização de professores, funcionários, famílias e comunidade”, complementa.
Os docentes também precisam assumir novas posturas, ser mais proativos e inovadores. Nessa nova visão, a atuação do professor continua a ser fundamental, mas tem uma perspectiva mais ampla: direcionar os alunos, com seus diferentes ritmos de aprendizagem e habilidades, motivá-los a novas descobertas, sendo um interlocutor capaz de estimular cada estudante no caminho da aprendizagem. A atualização permanente também é extremamente necessária. “As instituições podem incentivar muito essa educação continuada e novas propostas de ensino mais atraentes, mas se os professores não saem de sua zona de conforto, se esperam só por diretrizes de cima, não se preparam nem praticam as mudanças que hoje são possíveis e necessárias, o modelo não vai para frente”, adverte.
Célio Cunha, professor da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Católica de Brasília (UCB), destaca ainda outro aspecto importante: a relação professor-aluno. “O professor pode fazer um ensino dirigido, trabalhar com técnicas individuais, aproveitar pedagogicamente bem as novas tecnologias, mas entrar na sala de aula com convicção de que gosta dos alunos é que representa uma indicação muito boa para o sucesso”, explica. “Gostar dos alunos é imprescindível, porque o processo educativo não é só um processo de transmissão de conhecimento, mas é também um processo de formação de pessoas responsáveis, de um cidadão com mente democrática, solidária, respeitadora dos direitos, sem discriminação", completa.
Pelo País, as experiências são muitas e já é possível colher resultados dessa educação democrática e participativa.

Um novo jeito de ensinar
Conheça a seguir as experiências de escolas que inovam em suas práticas pedagógicas.
Gestão democrática
Há cinco anos, a Escola Politeia surgiu em São Paulo com a proposta de uma educação baseada na democracia, linha educacional que estimula a gestão compartilhada, em que os alunos também são componentes ativos, assim como os educadores. Na instituição, os alunos do ensino fundamental opinam não apenas nas questões referentes ao currículo e nas atividades pedagógicas que serão adotadas, mas também têm parcela de responsabilidade nas relações de convivência da comunidade escolar.
Em relação aos estudantes serem responsáveis por suas ações, a escola tem nas assembleias semanais instrumentos fundamentais da gestão das relações.  Todas as segundas-feiras, alunos, professores e funcionários se reúnem para estabelecer a dinâmica de utilização dos espaços e materiais, além das regras de convivência. O objetivo é que, por meio da participação, os estudantes compreendam melhor quais são os direitos e os deveres de cada membro da comunidade escolar e se esforcem para manter o respeito às normas.
O espaço aberto para debate também é uma forma de solucionar conflitos. “Promovemos um fórum em que os estudantes envolvidos no conflito sentam para conversar com mediadores: outro estudante e um educador. A causa do conflito é discutida abertamente e são propostas soluções, que são acompanhadas ao longo da semana para avaliar se o problema foi resolvido ou não”, explica um dos gestores da Politeia, Osvaldo de Souza. A instância máxima de decisão coletiva é o Conselho Escolar, formado também pelos pais e pela comunidade em que a escola está inserida.
Na gestão do conhecimento, a ideia é de produção colaborativa. O ponto de partida são as pesquisas individuais com temas de interesse dos próprios alunos. A partir daí, os educadores elaboram o conteúdo que será trabalhado com os estudantes, respeitando os diferentes níveis de ensino. Semanalmente, estudantes e professores conversam sobre como planejar e avaliar os estudos individuais e coletivos.  “As aulas não são expositivas, porque não há separação por séries. Os alunos são agrupados para aprimorarem os conhecimentos e as habilidades, de acordo com os seus objetivos e interesses”, explica Souza.
O modelo de avaliação também foge do tradicional e permite um acompanhamento mais amplo do desempenho dos estudantes. “Não temos prova, porque a prova é como uma fotografia. Já a avaliação tem que ser como um filme, uma coisa mais contínua, não um momento só”, destaca Osvaldo de Souza. Três ferramentas são utilizadas para avaliar o aluno. A primeira é a pesquisa individual; a segunda, o relatório elaborado pelos professores em cada grupo de estudo. Os alunos também fazem uma autoavaliação. “A nossa ideia é inverter a ordem da educação tradicional. Partimos do interesse do próprio estudante para planejar as trilhas educativas. Aqui, respeitamos o interesse de cada um e a cultura em que estão inseridos. Além disso, também respeitamos e estimulamos a autonomia, com o objetivo de formar um sujeito crítico e ativo, capaz de conviver bem e atuar na sociedade em que vive”, finaliza. 
Ambiente reorganizado
Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima, em São Paulo (SP), as pequenas salas deram lugar a três grandes salões. Neles, os estudantes desenvolvem suas atividades em um mesmo ambiente, respeitando os ciclos de formação: alfabetização (1º e 2º anos), 3º ao 5º anos e 6º ao 9º anos. Reunidos em grupos de cinco, os alunos desenvolvem as atividades diárias com a ajuda dos professores, que se revezam e ajudam a todos ao mesmo tempo. “A partir desse grande salão, a gente introduz uma prática muito diferente na escola: os alunos trabalham juntos e os professores, também. Isso é importante para compartilhar processos, o próprio espaço e o fazer pedagógico”, considera a diretora Ana Elisa Pereira. Ela explica que cada professor fica responsável pela tutoria de quatro grupos de até cinco alunos, e que cabe a eles a responsabilidade de acompanhar as atividades e os processos individuais e coletivos.
Ao longo do ano, os alunos recebem apostilas com roteiros de pesquisa, com objetivos específicos, elaborados com base nos livros didáticos entregues aos estudantes. Cada criança escolhe a ordem para seguir os roteiros, sendo obrigatório que, até o final do ano, todos tenham sido compreendidos. Todos podem fazer pesquisas  nos livros didáticos distribuídos no salão, na biblioteca (que tem aproximadamente 18 mil títulos) ou na sala de informática. No fim de cada roteiro, o discente deve escrever um relatório – o portfólio –, que é analisado pelo tutor responsável. "O interessante é que, mesmo que estejam sentados juntos, os alunos nem sempre estão no mesmo roteiro. Entendemos que o grupo não é importante para fazer o mesmo trabalho, mas para aprender a trabalhar em grupo, a ser solidário, a ajudar, a se regular no coletivo”, ressalta a diretora.
Paralelamente, são realizadas oficinas de português, inglês e matemática em salas menores. “Organizamos dessa forma porque a dinâmica que envolve esses conteúdos é um pouco diferente. A matemática, por exemplo, tem uma ideia hierárquica do conhecimento, por isso o professor tem que seguir uma ordem. Nas aulas de leitura e escrita, são feitas análises de textos ou o professor trabalha um gênero textual específico, uma questão gramatical que queria destacar”, explica a diretora. Além disso, os alunos também participam de atividades como danças brasileiras, capoeira, artes, teatro, laboratório de Ciência e cultura corporal.
A avaliação é feita por meio da ficha de finalização, preenchida pelo estudante ao final de cada roteiro e corrigida pelo tutor. Os estudantes também produzem textos pessoais sobre o conteúdo trabalhado. “É nesse momento que a criança vai dizer como entende aquele assunto na própria vida. A gente propicia uma formação com foco na construção da autonomia, por isso é importante conhecer o olhar do estudante sobre tudo o que ele aprende e sobre a sociedade”, completa. Para Ana Elisa, a integração da comunidade foi fundamental para que o projeto desse certo. “Foram eles que exigiram que a escola desse uma resposta alternativa para atender às expectativas de um novo modelo de educação”, enfatiza.

Matéria publicada na edição de fevereiro de 2014. Confira a matéria na íntegra na versão impressa.

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