O shopping das obras-primas * ARTRIO
Retirado de: http://vejario.abril.com.br/edicao-da-semana/artrio-700698.shtml
A dimensão que a ArtRio alcançou surpreende quem acompanhou os primeiros passos da empreitada, em 2009. Na ocasião, as amigas Brenda, ex-veterinária e então artista plástica, e Elisangela, jornalista com formação em história da arte e na época diretora da galeria Toulouse, na Gávea, decidiram fazer uma feira aqui na capital. Naturalmente, houve muita desconfiança. "Não me empolguei de imediato. Achava que o Rio estava longe de ter um mercado comprador forte como o de São Paulo. Mas, depois que as conheci, eu me impressionei com seu entusiasmo e preparo", recorda a galerista Silvia Cintra, que nesta edição participa com dois estandes. Para estruturarem o evento, elas tiveram inúmeras reuniões com marchands, colecionadores e leiloeiros. Cientes de que precisavam de profissionais com experiência nas áreas de negócios e marketing, associaram-se aos empresários Alexandre Accioly e Luiz Calainho. No âmbito internacional, intensificaram as viagens que costumavam fazer para visitar feiras, observando até mesmo detalhes que seriam adotados aqui, como o uso de divisórias de madeira e de iluminação halógena nos estandes. "O impulso que faltava veio com o bom momento que a cidade vive e a exposição positiva do Rio no cenário internacional nos últimos dois anos", afirma Brenda.
A tarefa de percorrer o mundo conhecendo feiras de arte, por mais agradável que possa parecer, é bastante árdua. Hoje, existem cerca de 200 eventos do gênero relativamente importantes, contra 55 dez anos atrás. Mesmo com toda essa quantidade, apenas quatro feiras são consideradas realmente imperdíveis pelos grandes marchands e colecionadores. Três ficam no Velho Mundo - a Tefaf, da European Fine Art Foundation, realizada em Maastricht, na Holanda, a Art Basel, na Basileia, Suíça, e a Frieze, em Londres. A quarta é a versão americana da Art Basel, sediada em Miami Beach. O acervo de obras à disposição de potenciais compradores nessas feiras se equipara ao que oferecem as melhores casas de leilões do mundo em uma temporada inteira. Participar de apenas uma delas pode significar para um galerista mais da metade de suas vendas anuais. Há quem aposte que a ArtRio rapidamente vai se juntar ao grupo das grandes. "Com os eventos internacionais que estão por vir ao Rio e a revitalização da Zona Portuária, temos potencial para ultrapassar em importância a Frieze e a Art Basel de Miami", acredita o colecionador carioca Guilherme Magalhães Pinto Gonçalves, sócio da Nau Consultoria de Arte.
Em linhas gerais, o funcionamento da ArtRio se assemelha ao de suas correlatas estrangeiras. Primeiro, um comitê de especialistas faz uma curadoria. Os marchands interessados têm de enviar à organização um formulário com informações detalhadas, que incluam as obras que estarão expostas. Trata-se de uma disputa tão acirrada que, nesta edição, cerca de 200 postulantes ficaram de fora da seleção final. Segue-se então um ritual. Na véspera da abertura para o público, os participantes exibem suas melhores obras para convidados muito especiais, divididos em três grupos, com visitação distribuída ao longo do dia. O primeiro é formado por 2 000 pessoas escolhidas entre a nata dos colecionadores gente que frequenta tanto as galerias como a lista das maiores fortunas do país, a exemplo de Alfredo Setúbal e Milu Vilella, acionistas do banco Itaú, Ricardo Steinbruch, da família que controla a Companhia Siderúrgica Nacional, e Pedro Moreira Salles, do antigo Unibanco, entre outros. Da lista fazem parte ainda representantes de instituições de arte do Brasil e do exterior, como Inhotim, de Minas Gerais, Museu de Arte Moderna do Rio, Pinacoteca do Estado de São Paulo, MoMA, de Nova York, Tate Gallery, de Londres, e Centre Pompidou, de Paris. Uma segunda leva de 6 000 pessoas entra às 14 horas, e outra, de 10 000, às 16. "Tem gente que liga implorando por uma credencial super vip", conta Elisangela. Há uma certa tensão na visita do primeiro grupo, e não à toa: estima-se que um quarto das melhores obras seja vendido nos quinze minutos iniciais (assim, nem sempre o público comum consegue ver os trabalhos mais famosos). "No ano passado, tão logo se abriram as portas, uma peça da minha galeria foi negociada. Em seguida, vieram mais dois colecionadores querendo exatamente a mesma obra, mas era tarde", lembra a marchande Anita Schwartz.
Mesmo quem não faz parte das categorias vip 1, 2 e 3 tem motivos de sobra para ir à ArtRio. Com disposição para o garimpo e uma dose de sorte, garantem os organizadores, é possível encontrar peças interessantes por preços mais em conta do que se imagina. "Uma gravura ou um múltiplo pode sair por 1 000 reais", diz Brenda. Para quem não quer desembolsar nada além dos 30 reais do ingresso, a feira funciona como uma gigantesca coletiva de arte. Os puristas costumam dizer que a disposição aleatória das obras, a iluminação excessiva, o movimento contínuo e o barulho das conversas tornam impossível a experiência da contemplação. Mas as organizadoras rebatem: "É uma chance única de ver tantas preciosidades em um só lugar. Esperamos que o contato com todas essas obras sirva de estímulo para que as pessoas se interessem mais pelo assunto e passem a frequentar exposições", afirma Elisangela. Além disso, há um amplo leque de atividades paralelas - restaurantes, pocket shows, visitas guiadas, exibição de vídeos, palestras, oficinas para crianças, passeios a ateliês e a pontos turísticos e históricos do porto. Tudo para que o carioca respire arte.