A geração digital não sabe navegar * Revista Época
Estudos recentes sugerem que os jovens não sabem pesquisar na
internet. Como as escolas podem ajudá-los a explorar essa fonte de
informação
BRUNO FERRARI - Revista Época
No início dos anos 1990, uma coleção de enciclopédias tinha o mesmo
valor educacional que um microcomputador tem hoje em dia - eram ótimas
ferramentas de pesquisa para os estudantes. Para quem tem menos de 20
anos, pode parecer incompreensível. Como uma coleção de livros de capa
dura, grandes, pesados e difíceis de manusear, pode ser tão eficaz
quanto os programas de busca da internet, que nos colocam a dois
cliques de qualquer resposta? A geração que nasceu depois do
surgimento da internet tem a sua disposição o maior volume de
informação da história. Mas novos estudos sugerem que a intimidade dos
jovens com o mundo digital não garante que eles sejam capazes de
encontrar o que precisam na internet.
Uma pesquisa da Universidade de Charleston, nos Estados Unidos, mostra
que a geração digital não sabe pesquisar. Acostumados com a comodidade
oferecida por mecanismos de busca como o Google, eles confiam demais
na informação fácil oferecida por esses serviços. O estudo mostrou que
os estudantes usam sempre os primeiros resultados que aparecem após
uma busca, sem se importar com sua procedência. No estudo, os
pesquisadores pediram a um grupo de universitários que respondesse a
algumas perguntas com a ajuda da internet. Mas fizeram uma pegadinha:
fontes de informação que não apareceriam no topo da lista de respostas
do Google foram apresentadas propositalmente como primeira opção. Os
estudantes nem notaram a troca: usaram as primeiras respostas
acriticamente. Outro estudo, realizado pela Universidade Northwestern,
nos Estados Unidos, pedia que 102 adolescentes que estavam se formando
no ensino médio buscassem termos diversos em sites de pesquisa
on-line. Todos trouxeram os resultados, mas nenhum soube informar
quais eram os sites usados para obter as respostas: se veio da
internet, já estava bom.
A conclusão dos cientistas é que os estudantes de hoje confiam demais
nas máquinas. Em princípio, esse comportamento faz sentido, porque os
sistemas de buscas oferecem conteúdos cada vez mais relevantes. Mas
gera uma efeito colateral preocupante: a perda da capacidade crítica.
"Precisamos ensinar os alunos a avaliar a credibilidade das fontes
on-line antes de confiar nelas cegamente", diz Bing Pan, pesquisador
da Universidade de Charleston. "As escolas deveriam ajudar os
estudantes a julgar melhor as informações."
O cenário descrito pela pesquisa não é exclusivo dos estudantes
americanos. O paulistano Leonardo Castro, de 15 anos, estudante do 1º
ano do ensino médio da escola Arquidiocesano, em São Paulo, diz que
usa a internet para fazer 80% de seus trabalhos escolares. A fórmula
se repete a cada trabalho: ele acessa o Google, insere o tema da
pesquisa, consulta dois ou três sites que tratam da mesma coisa e
redige seu texto. "Dou preferência aos resultados que estão na
primeira página", afirma. Ele tem algumas fontes que considera mais
confiáveis, como o site Brasil Escola. Conta que os professores
incentivam o uso da internet nas pesquisas e alguns sugerem sites
específicos que os alunos deveriam visitar. Mas Leonardo só se
preocupa com as fontes de informação na hora de relacionar as
referências usadas na pesquisa - algo diferente de olhar criticamente
a informação antes de usá-la no trabalho.
A vestibulanda Clarice Araújo, de 18 anos, estuda no Imaculada
Conceição, colégio tradicional de Belo Horizonte. Desde o 5º ano do
ensino fundamental, ela usa a internet como principal ferramenta para
ajudar nas lições. Os buscadores também se tornaram aliados em sua
preparação para o vestibular e para a última prova do Enem. Clarice
acertou 90% das questões, uma boa marca para quem pretende cursar
medicina na Universidade Federal de Minas Gerais. Segundo ela, a
maioria dos professores do colégio incentiva o uso da internet e
sugere os melhores sites para pesquisar. "Já tomei um puxão de orelha
por ter me baseado em apenas um site", diz Clarice. "Sei que deveria
verificar a origem das informações, mas, na maioria das vezes, uso só
o bom-senso." Os professores contam que a maioria dos estudantes não
faz nem isso. Eles simplesmente copiam (com algumas palavras trocadas)
informações que aparecem nas primeiras respostas do Google. É uma
maneira muito limitada de usar a rica fonte de informações que é a
internet. O caminho para evitar isso é o mesmo que se requer em
qualquer outra disciplina: orientação e acompanhamento.
"O professor pode indicar alguns sites mais confiáveis para a pesquisa
na hora de pedir um trabalho", diz Adilson Garcia, diretor da escola
Vértice, de São Paulo. Só isso, porém, pode não ser suficiente para
formar alunos capazes de pesquisar de maneira crítica, criativa e
independente. Primeiro, é preciso lhes mostrar como funcionam os
mecanismos de busca. Eles devem entender que critérios esses serviços
usam para hierarquizar suas respostas. Sabendo como os buscadores
operam, podem restringir as buscas e obter resultados mais precisos.
Em segundo lugar, os estudantes têm de aprender a verificar a
procedência da informação, analisando em que tipo de site ela está
publicada e se é confiável. O Google não escolhe suas respostas com
base na veracidade ou qualidade do conteúdo. Por fim, os estudantes
devem ser incentivados a confrontar a mesma informação em diferentes
sites, para perceber como a orientação de cada um pode resultar em
abordagens diferentes. "É preciso transformar os alunos em críticos da
informação", afirma a professora Maria Elisabeth Almeida, coordenadora
do programa de pós-graduação em educação da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. "Esse não é um desafio apenas das escolas do
Brasil. É um problema mundial."
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